Brunna Castro   |   06/12/2016 10:40

Da Grécia ao Airbnb: a evolução da hotelaria no mundo

A hotelaria, assim como diversos setores do Turismo, tem evoluído drasticamente ao longo dos últimos anos. Com tantas mudanças recentes na forma como o mercado se organiza, a origem desse tipo de serviço acaba ficando ofuscada.

A hotelaria, assim como diversos setores do Turismo, tem evoluído drasticamente ao longo dos últimos anos. Com tantas mudanças recentes na forma como o mercado se organiza, a origem desse tipo de serviço acaba ficando ofuscada. Para mostrar a evolução dessa indústria, o CMO da Costa do Sauípe, Gustavo Syllos, traçou o histórico da distribuição hoteleira em um artigo para o Anuário de Distribuição da PANROTAS.

Marluce Balbino
Gustavo Syllos, CMO da Costa do Sauípe
Gustavo Syllos, CMO da Costa do Sauípe

Desde "a origem dos hotéis na Grécia e na Roma antiga que surgiram para abrigar frequentadores das termas e os participantes das primeiras versões dos Jogos Olímpicos" até serviços contemporâneos como o Airbnb e OTAs, Syllos aborda diversos aspectos que envolvem o setor, como comunicação e canais de vendas.

Confira abaixo o artigo de Gustavo Syllos e clique aqui para ter acesso ao Anuário de Distribuição da PANROTAS.

A evolução da distribuição hoteleira

Acredito que todos que trabalham no Turismo já tenham ouvido falar sobre a origem dos hotéis na Grécia e na Roma antiga e que surgiram para abrigar frequentadores das termas e os participantes das primeiras versões de Jogos Olímpicos. Com a necessidade de viajar – seja para competir, fazer comércio ou mesmo para conquistar territórios – a demanda natural por um lugar para dormir e comer foi a faísca para o surgimento desse negócio (ainda que na época o pagamento fosse feito na base do escambo, pelo qual uma noite no estabelecimento podia ser concedida em troca de sal ou outro bem da época). Por toda a Europa eram registrados os inns, que basicamente eram quartos com uma cozinha e área de refeição comuns. A Revolução Industrial trouxe os meios mais “sofisticados”, já usando o nome de hotel, para receber comerciantes e construtores de máquinas.Desde então muita coisa mudou. Houve o surgimento das redes hoteleiras com seus padrões de construção e serviço, o “uso compartilhado” dos hostels (que a Accor agora quer subir de nível) ou mesmo o Airbnb, que apesar de não se vender como hotel, se intitula como a maior rede hoteleira do planeta. Deixando a polêmica de lado, será que a forma de divulgar e vender hotel evoluiu tanto?

Na pesquisa para escrever esse artigo consegui algumas referências em livros e sites, mas praticamente tudo o que se refere à distribuição/venda de hotel teve o mesmo desenvolvimento que outros serviços como aéreo e locação: à medida em que a tecnologia das comunicações trouxe inovações, novos players intermediários e novas formas de apresentar os hotéis surgiram. Eu incluo até a evolução dos meios de pagamento como consequências da evolução da comunicação.

CANAL DE COMUNICAÇÃO E CANAL DE VENDA
Mas se os meios de hospedagem pouco mudaram desde o princípio, o que aconteceu com a distribuição? Antes da era do telégrafo e telefone o sistema de referência “boca a boca” era a única forma de divulgação de um meio de hospedagem, salvo os catálogos de venda que vieram depois da criação da Sears em meados do século 19, observando que havia pouca concorrência.

Se não considerarmos os hotéis de luxo que ficavam nos grandes centros, os demais hotéis que serviam para receber os viajantes, a maioria negociantes, eram indicados pelos moradores locais que provavelmente eram os únicos a conhecer esses estabelecimentos.

As vendas eram feitas no “balcão” – normalmente com pré-pagamento, mas a divulgação podia ser feita por folders ou pôsteres deixados nas estações ferroviárias, portos ou bares próximos, além de revistas e almanaques.

É importante pontuar aqui que muitos hotéis até hoje gastam uma parcela significativa de suas verbas nestes modernos canais de comunicação...

Os primeiros canais de vendas indiretos que surgiram foram as agências de viagens e a primeira registrada foi a Thomas Cook, em 1841. Sem dúvida, foi um grande passo para a distribuição dos fornecedores da época: navios, trens e hotéis! Essas primeiras agências começaram organizando grupos de exploradores (algumas excursões vendidas hoje também são uma aventura...) mas a abertura de lojas de rua expandiu ainda mais o acesso para aqueles que podiam pagar por uma viagem que levaria alguns meses, como entre a Europa e as Américas, por exemplo.

Mas continuando para o que interessa: depois da invenção do telefone, esse aparece como primeiro meio de vendas/reservas para os hotéis até o uso mais popular em meados dos anos 1960.

Para ter uma ideia mais clara de como era feita a distribuição hoteleira aqui no Brasil (lembrando que não há material de consulta abundante sobre o tema) fui direto à fonte e consultei duas referências de respeito em nosso setor: o presidente do Fohb, Manuel Gama, e o presidente e fundador da rede Bourbon, Alceu Vezozzo.

Sobre a distribuição nos anos 1970, Manuel Gama me falou que o contato pessoal era chave para conseguir vender nas agências – principal canal para os hotéis de capitais: “Pelo que me lembre, operávamos com várias operadoras de Turismo e isso é um fato, mas já se delineava agências de viagens e operadoras com foco no corporativo. A comercialização corporativa era feita diretamente entre os hotéis e suas áreas comerciais. Nessa área não tínhamos intermediários, a não ser as agências de viagens, que recebiam uma comissão praxe de 10%, mas tinham pouco movimento corporativo, mas bastante de lazer. Não tínhamos internet nem computadores, nos anos 1970 as reservas eram feitas via telex e telefone, depois veio o fax. Porém, tínhamos regras e procedimentos muito claros e seguros, com uma grade tarifária mais enxuta, mas com ampla capacidade de negociação com o cliente diretamente. Na época, a qualidade de contato com o cliente é que prevalecia”.

Já Alceu Vezozzo me disse que o principal meio de reservas era o telefone nos anos 1970 e que o mercado de lazer era fundamentalmente distribuído pelas operadoras e agências de viagens regionais. Ele lembra também que os receptivos internacionais já trabalhavam com “os famosos catálogos de destinos com produtos. As reservas vinham por telefone ou telex. Nada mudou muito entre os anos 1980 e 1990, a não ser o meio de se comunicar”.

COMO A COISA FUNCIONA HOJE?
Após os gênios do Vale do Silício descobrirem que a comunicação via internet poderia virar uma transação comercial o negócio de “vender” nunca mais foi o mesmo. Se os hotéis já tinham que se sujeitar a distribuir via as agências e operadoras tradicionais, que após o fim das comissões aéreas se voltaram para eles, com o aparecimento das OTAs e OTOs, sites de busca e metabuscadores a coisa complicou ainda mais.Hoje um hotel precisa ter um sistema de controle de reservas (PMS), um sistema de distribuição de reservas (CRS), um gestor de canais (ou channel manager) e além disso abastecer as intranets de várias operadoras que ainda não estão conectadas a nenhum sistema automático de distribuição. Também é necessário manter o conteúdo dos sites e mídias sociais atualizados e alinhados para que o “story telling” seduza o cliente/hóspede/internauta, cada vez menos fiel a marcas tradicionais.

O surgimento das mídias sociais, sites de compartilhamento de opiniões e reservas veio para facilitar a vida do internauta em um ambiente com cada vez mais ofertas e para complicar a vida dos hotéis, que precisam ter um batalhão de gente se quiser ocupar seu espaço no mundo virtual e conseguir manter algum posicionamento.

Em média, um hotel de cidade alimenta cerca de cinco sistemas (com linguagens e formatos diferentes) quando precisa atualizar suas tarifas e disponibilidade... O que piora ainda mais a situação é que em um espaço de apenas três anos o que eram ferramentas on-line de inspiração, busca, comparação de preços, reserva e compartilhamento de opiniões agora basicamente fazem a mesma coisa!

Se por um lado essa “confusão” de novos intermediários e ferramentas que precisam ser gerenciadas pelos hotéis aumentou por conta do barateamento da tecnologia e maior oferta de venda no mundo virtual, o custo para um hotel distribuir diretamente também caiu. Só que novos profissionais são necessários para que essa estratégia de vendas direta funcione e deixe os hotéis independentes com a mesma possibilidade de visualização que os de rede.

Mas não deixa de ser um grande desafio para os profissionais de RM e gestão de canais lidar com o mundo on-line.

A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO DE CANAIS
Um dos maiores desafios para o hoteleiro moderno é conseguir equilibrar o volume e custo de cada canal para aumentar sua rentabilidade. Se você imaginar uma distribuição equilibrada (em outras palavras, uma distribuição que trabalha com paridade de preço através dos diferentes canais) vai entender que o custo do canal normalmente está ligado ao volume que consegue trazer. Quanto maior o volume, maior o custo do canal.

Para ficar fácil a conversa, se uma diária de hotel sai para o cliente final por R$100 (imaginando que os canais respeitam a paridade, claro), o que “sobra” para hotel após pagar o custo de distribuição varia de acordo com a produção de cada canal.

É natural que uma operadora ou consolidadora que gasta milhares (quando não milhões) em propaganda, promoções e financiamento para agências de viagens cobre mais que os 10% padrão de uma agência – que normalmente não faz anúncios e se restringe ao universo de seus clientes tradicionais. Por outro lado, uma OTA que tem uma abrangência muito maior, mas no mundo on-line apenas, também gasta milhões mas comprando palavras-chave e links patrocinados no Google. É uma questão de abrangência e custo de promoção...

AS ARMADILHAS E OS CUIDADOS PELO CAMINHO
Nada dura para sempre – a não ser a necessidade do ser humano viajar e ter um lugar para passar a noite... Contudo, as formas de distribuição estão em constante mudança!O pecado capital de muitos hotéis foi durante muito tempo a “preguiça”: por que ter uma equipe eficiente se eu posso deixar meu inventário para uma operadora vender? Deixar que o canal seja o responsável por desenvolver a tecnologia e o know-how acaba por deixar que ele defina os preços no mercado e pode ser fatal para essa indústria.

Contudo, muitas empresas passaram a vender “soluções de distribuição direta” como motores de reserva no site ou nas mídias sociais com a promessa de desintermediar as vendas, mas acabam cobrando um fee ou um percentual sobre aquela venda. Em muitos casos trata-se de cobrança por intermediação e não cobrança por uma solução tecnológica.

Não existe uma solução ou receita de bolo que funcione para todos os hotéis. Consultorias e empresas de tecnologia podem ajudar, mas apenas gente dentro de casa é que pode avaliar melhor o que atende às necessidades do seu hotel. Investir na contratação de especialistas de venda on-line, de revenue management/gestão de canais e compartilhar com eles os resultados de crescimento do hotel pode sair mais barato que continuar a pagar – cada vez mais – por comissões que só fazem aumentar.

Em contrapartida, agências de viagens focadas em nichos são cada vez mais valorizadas para hotéis que precisem atrair e reter clientes com perfis diferentes. Não existe nenhum documento encontrado que determine o valor específico de comissão ou que há apenas uma forma de remuneração ou incentivo de canal! A indústria hoteleira pode e precisa evoluir na busca por novas soluções dentro e fora de casa, entendendo que os canais de distribuição não existiriam se não houvesse uma enorme oferta de quartos de hotel.

Quem controlar bem seu inventário, preço e canais de distribuição tem mais chance de conseguir dar o retorno para os acionistas do hotel. Por isso, mais do que nunca, é preciso profissionalizar as equipes – de vendas, RM, marketing e TI, e adotar estratégias de distribuição que reconheçam e incentivem os canais de venda que realmente geram valor.

Colaboraram com as entrevistas de Manuel Gama e Alceu Verzozzo meus amigos Ana Paula Rodrigues, do Fohb, e Jeferson Munhoz, da Bourbon.

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