Preço da passagem aérea aumentará depois da derrota na Reforma Tributária?
Presidente da Abear, Jurema Monteiro fala à PANROTAS sobre esse e outros temas do setor
Essa é a pergunta que todo o setor e a sociedade estão fazendo. As companhias aéreas se apressaram em mostrar que a alíquota de 27,5% para aviação na nova tributação pós-aprovação da Reforma Tributária acarretaria aumento de custos de R$ 11 bilhões ao ano. Isso será repassado ao consumidor? Como as tarifas se comportarão em 2024 depois desse episódio e ainda com desafios como falta de aeronaves novas no mercado, pouco acesso a crédito pelas aéreas nacionais, combustível representando 40% do custo das companhias e um ambiente de judicialização que morde R$ 1 bilhão das empresas a cada ano?
A presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, que assumiu a entidade no começo do ano, falou com o Portal PANROTAS sobre a frustração do resultado da Reforma Tributária e o panorama da aviação em 2023 e 2024. Passados os três anos de efeitos diários da pandemia, a aviação voltou e deve bater os 110 milhões de passageiros, o que a deixa ainda abaixo dos 118 milhões de 2019, recorde histórico do setor.
Segundo dados da Anac, a tarifa média aérea doméstica em setembro deste ano bateu recorde de R$ 747,66, mas a média do ano está em R$ 602, 8% abaixo de 2022 (janeiro a setembro). Não se sabe como os meses do último trimestre de 2023 afetarão o resultado, mas o setor está aquecido, o que mantém os preços altos. Uma pesquisa no site da Anac mostra que de janeiro até outubro, a tarifa média já está em R$ 618.
Confira abaixo nossa entrevista com a presidente da Abear.
Impacto da Reforma Tributária
PORTAL PANROTAS – Vamos começar com a grande decepção e surpresa que foi a retirada da Aviação da alíquota diferenciada da Reforma Tributária. O que aconteceu? A Abear esperava esse movimento?
JUREMA MONTEIRO – O setor aéreo na última década teve um diálogo muito consistente com a sociedade, mas nem sempre conseguimos ser entendidos plenamente. O Congresso excluiu sim o aéreo e entendeu que não havia necessidade. É uma pena não termos essa régua, o que nos deixa desalinhados com o resto do mundo. O setor aéreo precisa ser visto também pelo seu efeito indutor em outras indústrias, com o Turismo, Serviços...
PANROTAS – Qual a estratégia agora para tentar minimizar esse efeito de aumento de tributação, que a Abear calcula em mais de R$ 11 bilhões ao ano, somadas todas as empresas?
JUREMA – A lei complementar ainda vai calibrar a reforma a partir do próximo ano. Não muda o regime especial mais, a aviação está fora, mas há outros aspectos que podem ter consequências para minimizar esse efeito. Vale lembrar que a aviação regional está incluída no regime especial da Reforma Tributária e isso também levanta uma nova discussão sobre qual o conceito de aviação regional no País? Por aeroporto? Por operação? Tudo isso pode colaborar com o resultado final.
PANROTAS – O setor sabe o que ocorreu para essa mudança de última hora? Faltou lobby político?
JUREMA – Não temos clareza sobre o que ocorreu. Temos articulação, fornecemos à Câmara, ao Senado, à Fazenda os dados de um estudo encomendado à LCA, que mostram que a alíquota de 27,5% significaria um aumento de custos (impostos) para as companhias aéreas de R$ 11 bilhões ao ano.
PANROTAS – Qual vai ser o impacto no preço do bilhete aéreo?
JUREMA – Ainda não tenho essa dimensão do impacto no preço final do bilhete aéreo. Mas pode sim onerar ainda mais o valor. Como disse, a lei complementar ainda vai calibrar tudo isso, e pode ser que tenhamos creditamentos, por exemplo em relação ao consumo de combustível, que possam reduzir o impacto desses R$ 11 bilhões possíveis. Sou otimista, estou sim preocupada, lamentamos o que ocorreu, mas as conversas do setor com o Parlamento irão continuar.
PANROTAS – Conversas que fatalmente vão girar em torno da questão do preço das passagens...
JUREMA – Há um movimento entendido e de apoio ao setor aéreo e é natural que a sociedade esteja questionando a questão do preço, que é complexa. Se até o trade de Turismo, que conhece o setor, está questionando, não só no Brasil, mas em todo o mundo, temos de trabalhar e entender juntos. O transporte aéreo é uma ferramenta de inclusão, os dados da Anac mostram isso. Mais de 50% das passagens aéreas são vendidas abaixo de R$ 500, tem mais gente voando e isso é positivo para todo mundo, para todos os setores.
Aviação e Turismo
PANROTAS – Você citou que o trade também questiona a questão dos custos. Eu tenho conversado com esse trade e eles se ressentem de verem a aviação sempre negociando sozinha em Brasília. Isso pode afetar a relação da aviação com o trade?
JUREMA – Isso não é verdade. Especialmente na pandemia, estivemos juntos, continuamos dialogando com o G20, mas é preciso entender que a aviação tem uma estrutura jurídica diferente. A Lei Geral do Turismo não contempla o setor aéreo. O Código Brasileiro de Aeronáutica é a nossa base jurídica. Pode parecer simples, mas não é. Veja na própria Reforma Tributária. O Turismo está em um artigo e a aviação em outro, que trata do transporte. É preciso sim estarmos unidos, mas na prática os casos são diferentes. Temos sim o interesse em dialogar e pode ser que o que falte seja diálogo.
Judicialização
PANROTAS – Outro tema onde talvez falte diálogo, com o trade e a sociedade, é em relação ao aumento de processos contras as empresas aéreas, no que vocês chamam de judicialização do transporte aéreo. O que acha?
JUREMA – Essa é uma agenda do setor, sem dúvidas. Cerca de 80% dos processos contra empresas de aviação em todo o mundo estão no Brasil. As companhias precisam provisionar mais de R$ 1 bilhão por ano para lidar com esse problema. Temos três empresas com mais de 98% do mercado e elas estão entre as mais pontuais do mundo. Mas vemos que não é uma exclusividade do transporte aéreo, outros setores também enfrentam isso no Brasil.
PANROTAS – A aviação sempre cita os índices de pontualidade, que realmente são muito bons, com Azul e Latam liderando rankings mundiais. Mas talvez não falte um mea culpa das companhias aéreas? Olhar de perto o que está acontecendo em cada caso, ouvir o passageiro... Recentemente, em um evento organizado pela PANROTAS e a Academia de Viagens Corporativas para gestores de Viagens, uma palestrante, gestora de uma grande empresa de Oil & Gas, disse claramente que há, por exemplo, uma distância entre o discurso perfeito do executivo de Vendas, que, ao fechar o contrato, promete um céu de brigadeiro, e a prática, com muita falta de comunicação e atritos nos serviços... Está faltando diálogo com o cliente?
JUREMA – O que posso dizer é que o canal está aberto para esse diálogo. Temos um sistema de grande intensidade e é para isso que eu olho. São mais de 2.200 decolagens por dia, em aeroportos muitas vezes com problemas estruturais que levam a ajustes de malha... Mudanças climáticas que não podem ser minimizadas e que geral questões operacionais. Precisamos sim questionar como dar transparência disso tudo ao passageiro. As companhias aéreas têm canais para isso, a Anac fiscaliza... A performance do setor no consumidor.gov tem melhorado. Precisamos mitigar os efeitos desses outros problemas.
Também tivemos uma mudança muito importante na MP do Voo Simples, sobre o dano moral nesses processos. Basicamente o passageiro precisará ter evidências concretas do que está pleiteando. Não será mais algo presumido. Como na frase do presidente da Azul, John Rodgerson, em que ele diz que em toda mala perdida no Brasil tem um vestido de noiva.
Mas isso ainda não tem um impacto nas ações, é preciso agora um trabalho educativo com o próprio judiciário.
PANROTAS – Você citou problemas de infraestrutura pelo País. Como isso tem afetado as operações das aéreas no Brasil?
JUREMA – Houve um avanço enorme nos últimos 20 anos e os principais aeroportos têm uma qualidade de operação. Todo o sistema procura mais eficiência e temos questões que podem e devem melhorar, e ajudar em ganhos no custo. Para 2024, temos trabalhos importantes na área de segurança, que poderá ter mudanças que gerarão economia de combustível, por exemplo. É uma agenda operacional mais árida, mas que terá muita ênfase no próximo ano.
Tarifas continuarão altas?
PANROTAS – Você disse que aviação promove a inclusão. Mesmo com tarifas tão altas como nos últimos dois anos?
O governo Lula retomou o diálogo para recuperar o acesso aéreo pela população, como ocorreu nos seus dois primeiros governos. Quando Lula assumiu em 2003 tínhamos 30 milhões de passageiros por ano. Chegamos a 117 milhões em 2015. Caímos e agora devemos voltar ao patamar de 110 milhões este ano. O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, fala até em 115 milhões. O governo tem dialogado para retomar esse ambiente. Mas isso não muda do dia para noite.
Jurema Monteiro
PANROTAS – O que já foi feito nesse sentido?
JUREMA – Já temos três ações bem concretas das companhias aéreas brasileiras, se comprometendo nesse trabalho com o governo federal.
- O Programa Voa Brasil teve adesão de todas as companhias, com o compromisso de oferecer passagens aéreas a R$ 200 para um público que o próprio governo vai decidir os critérios (aposentados, estudantes...). O governo vai fazer o recorte do público a ser atendido.
- O segundo passo foi anunciado na semana passada com as empresas aéreas se comprometendo a oferecer 30 milhões de assentos por até R$ 799. Trata-se de um esforço de Azul, Gol e Latam para ter uma ampla oferta dessas tarifas intermediárias. E aí cada companhia definiu os critérios, como compra com 14 ou 21 dias de antecedência.
- E o terceiro passo foi a inclusão de mais benefícios nas tarifas mais altas. Por exemplo, incluindo bagagem gratuita. Novamente, cada empresa definiu seus critérios de benefícios.
São medidas importantes para desmistificar que a viajar de aviação é inacessível.
PANROTAS – E o governo entra com que contrapartidas?
JUREMA – O governo sabe da importância da agenda paralela para o setor, que inclui a busca por menos custos e mais eficiência e mais segurança jurídica. É o ambiente melhor que vai aumentar a competitividade do setor.
Isso passa por exemplo pelo acesso ao crédito e por isso precisamos do apoio do governo para gerar garantias para o setor. Há um projeto de lei que prevê que o Fundo Nacional de Aviação Civil seja um fundo garantidos do setor nesses empréstimos. Os ministros Silvio (do MPOR) e Sabino (do MTur) estão muito empenhados em apresentar e aprovar esses projetos na Câmara e no Senado.
Com relação ao combustível, vemos um governo sensível à questão da precificação, mas também é preciso falar com a Petrobras, com os intermediários, com os governos estaduais por conta do ICMS sobre o QAV, algo que só existe aqui no Brasil. Em duas semanas teremos nova rodada de negociações sobre o tema.
PANROTAS – As tarifas, portanto, para 2024, ficam ainda nas alturas?
JUREMA – A tarifa média de janeiro a setembro foi de R$ 602, 8% mais baixa que o mesmo período do ano passado. Tenho um otimismo cauteloso, pois lidamos com variáveis fora de nosso controle, como combustível, que este ano caiu, e câmbio, que deve cair. Difícil cravar, mas a tarifa média vai depender da agenda de custos.
Para melhorar o preço o Brasil precisa de mais oferta, seja com mais assentos das empresas atuais ou novos entrantes. A meta é ter tarifas mais competitivas, o programa de 30 milhões abaixo de R$ 799 faz parte disso. E o setor continuará trabalhando com o preço dinâmico, por isso ter mais oferta é importante.
PANROTAS – Mas as empresas dizem estar com dificuldades de obter novas aeronaves no mercado...
JUREMA – É verdade. E precisam ter condições de buscar crédito para novos leasings. A Latam e a Azul já anunciaram novas aeronaves para 2024, na Gol ainda está mais difícil, mas a indústria de aeronaves está comprometida em estabilizar essa oferta de novos aviões em 2024.
PANROTAS – Novos entrantes à vista para 2024?
JUREMA – No ambiente atual, a insegurança jurídica afasta novos entrantes no Brasil. Vemos empresas anunciar o desejo de operar por aqui e depois recuam. Como entidade, vemos como positivo ter mais players, mas também vemos o que impede isso, como a questão da volta da bagagem gratuita, que ainda está em análise no Congresso. Para um entrante low cost, que depende da precificação dinâmica, isso é um grande risco à viabilidade das operações no Brasil.
Mas nós temos mercado para crescer. Nosso índice de viagem aéreo por habitante é de 0,5, enquanto o Chile tem 1,6.
Ano novo
PANROTAS – O que podemos esperar para 2024, então?
JUREMA – Um setor saudável, resiliente, eficiente. Continuaremos, como entidade, focando em buscar mais eficiência e custos menores, como no combustível, que representa 40% dos custos das aéreas. Já representou menos de 30% no passado e nos Estados Unidos é 21% dos custos totais. E também a questão da liberação de crédito, que citei acima.
Em 2024 queremos crescer depois de três anos de pandemia e de um ano, 2023, em que a aviação realmente voltou. Queremos também olhar para frente e temos certeza que o Brasil tem potencial para produzir o SAF, o combustível sustentável da aviação. Temos tecnologia, temos a biomassa, precisamos de segurança jurídica. O Brasil precisa ser exportador de SAF e não de matéria-prima para a produção de SAF.
Foi um ano desafiador para a Abear e o setor, mas entro em 2024 com um otimismo conservador, forte e realista – não é só notícia boa.