Artur Luiz Andrade   |   26/01/2023 17:48
Atualizada em 26/01/2023 18:10

Quando e como os preços de passagens aéreas cairão no Brasil? Veja caminho

Presidente da Abear diz que é possível, mas condições de mercado precisam existir para preços caírem

Divulgação
Eduardo Sanovicz, presidente da Abear
Eduardo Sanovicz, presidente da Abear
Que as passagens aéreas no Brasil estão mais caras, não há o que discutir. As estatísticas estão aí para comprovar esse aumento pós-pandemia. Em fevereiro de 2017, a tarifa média doméstica atingiu R$ 430 e hoje está em R$ 630. Longe ainda dos R$ 900 de 2003, primeiro ano da liberdade de preços na aviação brasileira, depois de décadas de bandas tarifárias que simplesmente reduziam a competição entre as empresas a quase zero.

O sucesso da liberação tarifária foi visível: além da queda nos preços dos bilhetes aéreos (média caiu de R$ 930 a R$ 430), o número de passagens vendidas disparou. De 30 milhões em 2003 para um recorde de 117 milhões em 2014 e 2015 (dentro do Brasil e para o mundo). A partir deste ano houve quedas em 2016 e 2017 e estabilização em 2018 e 2019, quando chegamos a 119 milhões de bilhetes vendidos (entre doméstico e internacional).

  • Quais são as perspectivas para que os bilhetes aéreos voltem a ser mais acessíveis e o número de passageiros aumente? A equação é complicada, mas possível, segundo o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz, em conversa exclusiva com a PANROTAS.

  • A primeira vez que a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) projetou 200 milhões de passagens vendidas por ano no Brasil tinha como meta o ano de 2020.

  • Com a crise do setor entre 2014 e 2019 esse marco passou para 2027. Agora, a entidade nem ousa cravar uma nova data. Mas sim as condições para que o setor volte a crescer e volta a ser democrático e não para poucos endinheirados.

  • Os números de 2022 mostram uma recuperação óbvia do mercado, ainda mais depois de uma pandemia, mas as metas adiadas da Abear e os R$ 200 de crescimento da tarifa média mostram que estamos ainda com muito a recuperar e conquistar.
Getty Images/FreshSplash

AINDA TEM PASSAGEM BARATA?

Mesmo assim, Sanovicz faz questão de mostrar, em números, que a aviação no Brasil não vive apenas de passagens caras. Elas estão mais caras, mas, com planejamento, pode-se achar preços mais acessíveis.

Os números da Anac comprovam isso:
  • Em outubro de 2012, a tarifa média era de R$ 558,43.

  • 57% eram tarifas de até R$ 500.

  • 31% entre R$ 500 e R$ 1.000.

  • 12% acima de R$ 1.000.

  • Em outubro de 2022, o quadro piorou, mas não tanto como se imagina.

  • 47,6% (queda de dez pontos percentuais) são tarifas abaixo de R$ 500.

  • 37,2% entre R$ 500 e R$ 1.000. E 15,2% são tarifas acima de R$ 1.000.

  • A tarifa média nesse mês ficou em R$ 638,36.

POR QUE TÃO CARO?

As causas para esse aumento de tarifas são conhecidas e promovidas aos quatro ventos pela Abear:

- aumento do combustível de aviação: litro do QAV pulou de R$ 1,85 em 2013 para R$ 4,92 em 2022;

- aumento da taxa de câmbio: o dólar comprava R$ 2,16 em 2013 d R$ 5,16 em 2022, depois de um pico de R$ 5,40 em 2021;

- as perdas da pandemia (R$ 40 bilhões), que precisam ser recuperadas, já que o Brasil, ao contrário dos Estados Unidos e outros países, não teve um programa para a retomada do setor, em muitos casos com injeção de recursos;

- a falta de alinhamento das regras do setor no Brasil em relação ao resto do mundo, como foi o caso da cobrança da bagagem (já resolvido), mas ainda não em casos como a precificação do combustível no País e questões que levam à judicialização da aviação, por exemplo no caso de intempéries naturais que paralisam as operações

– só no Brasil, segundo a Abear, a companhia aérea é responsabilizada por esses atrasos;

- também o ICMS, cobrado pelos Estados, é um imposto que, de acordo com a Abear, só existe no Brasil e encarece ainda mais o valor final do combustível.

“Se nos Estados Unidos o combustível responde por 22% do preço do bilhete e na Europa por 24%, no Brasil ele é 40%”, explica Sanovicz.

PANROTAS / Filip Calixto

TARIFA AÉREA VAI BAIXAR?

Como voltamos então a uma aviação mais competitiva, com preços acessíveis e mais voos e passageiros? Para Sanovicz, quando as companhias aéreas conseguirem resolver os gargalos citados acima, quando as condições de competitividade voltarem e, para tornar ainda mais difícil o processo, quando o brasileiro voltar a ter o poder de compra de anos atrás.
Por isso, tanto ele quanto os presidentes das associadas à Abear já fizeram um verdadeiro tour pelos novos ministérios, pois tudo isso depende desde a política econômica liderada por Fernando Haddad, passando pela ministra do Turismo, Daniela Carneiro, para pleitear mais voos e mais competitividade para o setor que é um dos pilares da indústria que representa, até os ministérios de Minas e Energia e Portos e Aeroportos. A ministra, aliás, que chegou agora de surpresa no Turismo, já pegou a pauta dos preços das passagens aéreas como uma de suas prioridades.

Não esperem, portanto, uma redução para amanhã, mesmo com a reposição dos voos perdidos na pandemia. Os custos nas alturas, os brasileiros endinheirados ou os viajantes corporativos lotando aviões e a economia ainda cambaleando não são o céu de brigadeiro esperado pelo setor.

O presidente da Abear acrescenta ainda a importância de um programa de promoção do Turismo tanto internamente quando internacionalmente, para apoiar essas condições de crescimento.

Divulgação MPA/Vosmar Rosa
Ministro Márcio França e Eduardo Sanovicz
Ministro Márcio França e Eduardo Sanovicz

ENTREVISTA

Confira abaixo parte do bate papo que tivermos com Eduardo Sanovicz, presidente da Abear sobre o tema do preço dos bilhetes e outros que estão na pauta da aviação, como a situação dos aeroportos de Congonhas (SP), Santos Dumont (RJ) e Galeão (RJ).


PANROTAS / Emerson Souza
Eduardo Sanovicz
Eduardo Sanovicz
PANROTAS – São vários pontos que o senhor elencou para que o setor volte a ser mais democrático, incluindo o alinhamento a práticas internacionais, aproximando os custos das aéreas brasileiras a suas concorrentes globais... Ou seja, uma equação muito complexa. Mas é viável?


EDUARDO SANOVICZ – Não tem muita escolha. Ou esse alinhamento é feito ou seguimos com legislações diferentes e assumimos custos mais altos. É uma questão de escolhermos que aviação queremos ter.

PANROTAS – Temos visto algumas medidas de redução do QAV pela Petrobras e também de diminuição do ICMS em alguns Estados. Mas em uma dessas ocasiões o senhor disse que ainda era insuficiente. Quanto o senhor vai ficar satisfeito?

SANOVICZ – É insuficiente pois, todos esses processos, embora positivos, não enfrentam o coração da encrenca, como no caso da precificação do combustível. Se retornarmos os custos de uma década atrás, os dados mostram que podermos voltar a dar acesso a mais pessoas (na aviação). São vários aspectos, como disse anteriormente: querosene, infraestrutura, capacidade de consumo do brasileiro... De 2013 para cá o querosene subiu 121%. Uma redução de 11% é insuficiente para cobrir esse aumento. O câmbio (do dólar) pulou de R$ 2,16 para R$ 5,16. O setor carrega um prejuízo de R$ 40 bilhões com a pandemia e não tivemos um pacote de ajuda do governo como em outros países. Cada companhia escolheu seu caminho de recuperação. A medida de isenção do PIS/Cofins sobre a receita do bilhete (que precisa ser votada até maio) vai gerar uma economia de R$ 530 milhões ao setor por ano, segundo cálculos da Receita Federal. Ou seja, meio bilhão de reais. E os outros R$ 39,5 bilhões?

PANROTAS – O senhor pede o alinhamento às regras mundiais da aviação. As companhias aéreas nacionais, por outro lado, estão alinhadas aos índices e melhores práticas da aviação mundial?

SANOVICZ – Nós seguimos o parâmetro norte-americano, que é o que mais se aproxima de nossa indústria. A pontualidade das empresas aéreas brasileiras é superior às americanas. Tivemos duas empresas nacionais, Azul e Latam, entre as mais pontuais do mundo. Nossa taxa de entrega de bagagem se equipara à dos Estados Unidos e supera a europeia. Temos números para nos orgulharmos.

PANROTAS – É injusto então que muitos vejam a aviação como vilã nesse momento, por conta das tarifas altas?

SANOVICZ – Quando os preços sobem, e vimos que subiram, o consumidor vê o que está na sua frente. Que são as empresas aéreas. Ele não vê a Petrobras, a judicialização, que custa R$ 100 milhões ao setor por ano, não vê as regras que só existem no Brasil.

PANROTAS – O alinhamento de algumas medidas ao padrão internacional da indústria acaba gerando esse tipo de percepção? Uma certa impopularidade, como no caso das bagagens que deixaram de ser gratuitas...

SANOVICZ – Infelizmente quando houve a mudança da bagagem para um sistema em que o preço (da bagagem) não é diluído para todos, logo após veio a explosão de custos. Mais uma vez é uma questão de decidirmos que aviação queremos. E não estou sendo teórico e sim bastante objetivo. Com as condições certas, voltaremos a entregar produtos com tíquete médio menor, transportaremos mais passageiros... Nós não estamos satisfeitos com essa realidade de mercado. Queremos chegar aos 200 milhões de pessoas viajando. Mas as empresas precisam estar vivas para isso.

PANROTAS – Falta uma quarta empresa aérea no País para pressionar os preços para baixo?

SANOVICZ – O mercado é aberto, inclusive para investidores estrangeiros (desde 2018). Quando o mercado está crescendo, todos se sustentam, como foi o caso da Avianca, que cresceu nos anos em que a indústria ia muito bem. Quando esse mercado para de crescer e os custos sobem, alguns não conseguem ficar em pé. Apoiamos a competição, incluindo com a abertura de capital para estrangeiros, mas repito que o que precisamos são das condições para voltarmos a crescer.

PANROTAS / Artur Luiz Andrade
Aeroporto Santos Dumont
Aeroporto Santos Dumont
PANROTAS – Qual o posicionamento da Abear em relação ao imbróglio Santos Dumont/Galeão, que estão com a concessão paralisada, e também em relação ao aumento de voos em Congonhas, que já tem uma estrutura de atendimento ao viajante bem limitada?


SANOVICZ – Com relação a Congonhas, somos uma atividade regulada e cumprimos o determinado pelas autoridades. Mas defendemos que a Anac deveria condicionar esse aumento de oferta a uma melhora na infraestrutura. Ainda é tempo de fazer isso, com ajustes envolvendo todas as partes. Se isso não for jeito, todos os agentes envolvidos terão de estar mais atentos e alertas, para não ocorrerem casos como os recentes do jatinho que fechou o aeroporto ou o drone que atrapalhou as operações. Somos favoráveis ao programa de concessão de aeroportos do governo, as experiências se mostraram positivas para os passageiros. Os custos para operar nesses aeroportos subiram para as empresas aéreas, mas mesmo assim achamos que vale a pena. Quanto ao caso de Galeão e Santos Dumont, estamos acompanhando, mas sem um posicionamento ainda, pois não sabemos qual a proposta, o modelo. Pessoalmente, acho que o modelo deveria levar em conta a demanda no Galeão, que depende da recuperação econômica do Rio, dos problemas de mobilidade, do custo de operação e da questão de promoção turística perene.

PANROTAS – A aviação, via Abear, tem buscado diversas soluções junto ao governo de forma isolada. Em outros casos, se junta ao Turismo. Como o senhor vê esse trabalho Aviação e Turismo juntos?

SANOVICZ – Nós nos somamos e seguimos apoiando as iniciativas conjuntas do G20. Mas nem sempre é possível termos medidas que atendam a todos os setores, pois temos estruturas de negócio distintas. Mas devemos seguir juntos e aprofundar essa proximidade e as agendas conjuntas. E entender quando há medidas que não se adequam à aviação ou vice-versa.

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